Um almoço nu e cru junto a realidade que não conhecemos

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A sensação nua e crua de ter o estômago socado com força. Essa é a principal reação que a leitura de O Almoço Nu, de William S. Burroughs, suscita naqueles que se aventuram desavisadamente por sua mais famosa obra.

Burroughs é um dos grandes autores que compõe a Geração Beat, movimento de artistas boêmios surgido no final da década de 1950, que valorizava o prazer pelo prazer, que cultivavam a criatividade espontânea e celebravam o fato de não se enquadrarem nas normas sociais impostas no período.

O romance não é linear e não possui um enredo definido, com uma cadência de acontecimentos. A ação transcorre em forma de mini narrativas, que vão apresentar em sua maioria a ótica do personagem William Lee e suas viagens, no sentido físico e figurado, que nos trazem as vivências de viciados em drogas, delírios, paranoias, sadismo e relações homoafetivas.

Uma viagem sem volta pelas sensações despertadas no organismo de um usuário de cocaína, o caos mental instaurado pela ausência da droga e a busca frenética e alucinante pelo componente que aplaca o vício. Relatos de relações sexuais que permeiam o sadomasoquismo e orgias regadas a entorpecentes. Esses são alguns dos cenários em que se encontram os muitos personagens dessa trama não costurada.

A obra se tornou um dos romances mais importantes do nosso tempo e redefiniu a literatura e a cultura americana. As narrativas se inspiram na vida do próprio Burroughs, que por muito tempo foi usuário de diversas drogas e algumas viagens que fez pelo México, Tânger e Estados Unidos.

Minha experiência com a narrativa não foi das melhores. Não sendo uma grande conhecedora do autor, do movimento ou mesmo das vivências abordadas, me vejo compelida a recolher-me a minha visão de mundo suburbana e tento de forma insatisfatória compreender a mente fragmentada de um dependente químico.

Em minhas aventuras literárias por autores com temáticas underground, admito, o mais longe que já fui se limita ao velhinho safado, também conhecido como Charles Bukowski, em um de seus romances nem tão safados assim. Kerouac e seu On the Road constam da minha lista mental de leituras obrigatórias da vida, mas ainda não tivemos a oportunidade de nos cruzar nessa estrada.

De volta ao almoço, sua narrativa emblemática ainda rendeu um filme, de gosto duvidoso e fama ao revés, de 1991, corajosamente dirigido por David Cronenberg, conhecido no Brasil como “Mistérios e Paixões”. A película é uma relíquia cult dos anos 1990, que já tive o prazer de assistir, e cujo enredo não sobreviveu ao crivo do tempo em minha mente, mas que encontrei à venda despretensiosamente na bancada de DVD’s das Lojas Americanas em um shopping de baixa circulação aqui da cidade. Quem efetua a distribuição desses catálogos nas unidades da loja, é coisa que me pergunto até agora.

Sendo uma obra tão marcante para a história da literatura americana, é de se questionar porque demoraram cerca de 10 anos para reeditar o romance no Brasil. Anteriormente publicado pela finada Ediouro, hoje se apresenta sob o guarda-chuva da Companhia das Letras, que pretende republicar o trabalho do autor.

Os temas do romance podem parecer triviais hoje em dia, mas em 1957, ano do lançamento, o livro causou muito incômodo, a ponto do próprio autor lançá-lo através de um pseudônimo, para não comprometer o nome de sua família. Apesar de não ter simpatizado, acredito, obviamente, que vale a aventura.

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